21/03/2018

* Campo Mourão e a Lenda do Capitão Índio Bandeira


 
Foto atribuída ao Índio Bandeira 
Acervo de Joaquim Xavier do Rego

Nosso avô Rodolfo Bathke esteve em Campo Mourão em 1937 a convite do seu cunhado Francisco Ferreira Albuquerque (Tio Chico) que chegou no mesmo ano e era irmão da nossa avó Idalina Ferreira Bathke. 
Do tempo que esteve por estas bandas, vovô nos contava que o mateiro Índio Bandeira era tão 'capitão' quanto Guilherme de Paula Xavier era 'coronel'. Esses títulos tinham nada a ver com militarismo. Dava-se, por exemplo, a quem conhecia bem os caminhos do sertão: 'capitão do mato', ou a quem possuía grandes posses e poderes políticos: 'coronel'.
O cacique Capitão Índio Bandeira tinha sua taba no chamado Campo do Abarrancamento onde mantinha e comandava sua pequena tribo de kaingangues, região hoje conhecida por Campo Bandeira, entre os rios do Campo e o da Várzea.
Por ali passava uma estradinha primitiva, com certeza um ramal do caminho do Peaberu, que seguia por Corumbataí do Sul até Fênix - nos dois sentidos -  inclusive por Campo Mourão e pelo vale do Ivai/Piquiri afora.
No trecho que cortava por frente do seu arranchamento ele colocou (enterrou) dois grossos mourões de madeira de cerne da altura de uma pessoa, um de cada lado do estreito trajeto e, dos viageiros que por ali passavam, cobrava ‘pedágio’ em dinheiro ou espécie. Fazia qualquer negócio para levar vantagem. 
O local passou a ser ponto de referência e conhecido por: Campo dos Mourões e, até comentava-se naqueles tempos, que veio daí o nome do Município quando, de fato, sabemos que a verdade é outra.
    -  Oh Vô. O senhor alguma vez passou por ali e pagou?
- Não. Nunca fui para aqueles lados, mas sei que atravessava o Rio do Campo do lado de cá... O Rio da Várzea do lado de lá e saia no Bairro dos Inácios. Seguia por Bourbônia, Cantinho do Céu, Pocinho, Corumbataí do Sul, Rio Lontra, Barbosa Ferraz e a Vila Rica do Espírito Santo (Fênix)  pelo chamado Caminho dos Padres, dos Incas e/ou Pê abê y u dos Guaranis.

 
Não havia estradas e os rios de Campo Mourão não tinham pontes
A travessia era feita nas partes mais rasas (lajeados)

-  É verdade que ele cobrava até para dar informações?
-  É verdade. O destemido sertanejo Jozé Luis Pereira nos contou que procurava os Campos do Mourão  vindo de Pitanga com sua caravana, mas se desviou da rota - deu um perdido - e foi barrado pela cheia do Rio da Várzea (Vargem, nome dado por ele) e, à margem direita, ali mesmo, obrigou-se a parar e acampar precariamente. Choveu muito por dias a fio e os mantimentos emboloraram quase todos devido a grande quantidade de umidade e pela demora da chuvarada parar quando, do nada, apareceu o Índio Bandeira acompanhado de alguns bugres. 
Conversaram pouco e seu Jozé Luis Pereira perguntou em que direção ficava Campos do Mourão(?).
O índio, sem gesticular, respondeu evasivamente, com cara de paisagem:  
- Fica praaa láaaa do Campo do Abarrancamento, donde moro.
- Você pode nos indicar o rumo ou nos levar até lá?
- Posso, mas só se me pagar!
-Estamos quase passando fome. Não temos dinheiro nem    alimento pra lhe dar!
 
  
  O índio, então, ergueu o braço esquerdo estendido, dedo indicador esticado e falou:
  - Esse campo que procura, é praaa láaaa, óiia !! 
 Apontou em direção oposta porque viu que ali não lhe renderia nada. Virou as costas e por onde apareceu, sumiu com seus 'guerreiros'. 
  
 A comitiva depauperada, no clarear do primeiro dia de sol, levantou acampamento rapidamente e retornou à Pitanga para se reabastecer. Partiram bem cedinho, no raiar de um dia carregado de nuvens ameaçadoras, mas de estio.

Um ano depois a família Pereira, liderada pelo tenaz Jozé Luis, conseguiu aportar nos Campos do Mourão na primavera de  1903, depois de duas tentativas fracassadas ao longo de três anos. 

    Apesar da idade avançada, mais de 70 anos quando aqui chegou, era um homem forte, barbudo, um grande chapéu preto de feltro e aba bem larga na cabeça, destemido e apaixonado por cavalgadas, aventuras, caçadas em sertões distantes e desconhecidos
  Dançava bem e seu ritmo  preferido era o fandango em bailes caseiros que atravessavam a noite num embalo só, ao som do batuque  de um pandeiro e da viola de doze cordas. 

 
Céu carrancudo em Campo Mourão 
(Acervo Salete Brito)

- Veja bem. Essa tinha sido a segunda tentativa, mas foi só na terceira que os Pereira chegaram aos Campos do Mourão, desta feita pelo Picadão da Pitanga, aberto pelo Exército sobre a estreita trilha do Caminho do Peaberu (BR-158). Veio a cavalo e dois carros-de-bois. Aqui chegou em 16 de setembro de 1903, em onze pessoas", concluiu o grande alemão Germano Francisco Rodolfo Bathke - nosso inesquecível avô - que é perpetuado por nominar umas das principais avenidas dos Jardins Santa Cruz/Batel em Campo Mourão.

Amigo do Comendador
O Índio Bandeira, que denomina a principal avenida de Campo Mourão, já habitava a região quando vieram os pioneiros. Ele próprio se empenhava para que os ‘brancos’ viessem morar aqui, criar gado, fazer roças e erguer uma cidade.  
Seu principal amigo era o Comendador  Norberto Marcondes (nome de avenida em Campo Mourão) nascido em Palmas – PR,  onde foi batizado: Norberto Mendes Cordeiro. O nobre senhor, guiado pelo Índio Bandeira, visitou a região dos Campos do Mourão, em companhia  de alguns amigos,  entre 1880 e 1883, época que chegou a registrar um quinhão de terra em Cartório de Imóveis de Guarapuava em seu nome, mas nunca tomou  posse ou fez morada nestas bandas.

Imagem relacionada 
Norberto recebeu o titulo de comendador e a medalha da Ordem das Rosas justamente pelo trabalho benemérito de amansador e protetor de índios, desde Guarapuava até os sertões além Tibagi e do intrincado Oeste e Centro Oeste do Paraná. 
A significativa honraria lhe foi entregue pelo Imperador Dom Pedro II durante jantar na corte palaciana, em Petrópolis - RJ, oportunidade em que foram narradas suas destemidas façanhas junto aos nativos, de grande parte da terra devoluta do Estado do Paraná, aos quais ele dava o nome de bugres (índios mansos).


Ordem da Rosa
Era uma condecoração honorífica brasileira criada em 1829 pelo Imperador D. Pedro I a fim de perpetuar a memória de seu matrimônio com Dona Amélia de Leuchtenberg. 
É formada por uma estrela branca de seis pontas maçanetadas, unidas por guirlandas de rosas. Ao centro, monograma com as letras "P" e "A" entrelaçadas, circundado por orla azul com a legenda "AMOR E FIDELIDADE". No reverso a data 2-8-1829 e a legenda "PEDRO E AMÉLIA". 
Agraciados com a Ordem da Rosa 
Houve, durante o período Imperial, uma grande distribuição dessa comenda. Poucas foram concedidas no 1º reinado enquanto no 2º teve significativo aumento, mais especificamente durante a Guerra do Paraguai.  
Isso se deveu ao fato de não existir uma medalha só para atos de bravura individual durante a Guerra do Paraguai (a que existiu nunca foi distribuída - a Medalha aos Mais Bravos). Desta forma a única usada foi a da Rosa, no seu grau de Cavaleiro, em 1870.

A Ordem da Rosa também tinha uma aplicação civil e era constantemente usada para condecorar pintores, músicos e pessoas ligadas a arte em geral. No final do império foi usada por D. Pedro II como moeda de troca para incentivar fazendeiros a alforriar escravos. Além de brasileiros foi grande a distribuição desta ordem para membros da corte européia e também militares daquele continente. 
A Ordem da Rosa, bem como as  demais medalhas imperiais, foi extinta após o banimento da família imperial e o início da República Brasileira. 


Meus avós: Idalina e Rodolfo. Minha mãe Conceição Vera 
e meu irmão Rubens Bathke, em Balsa Nova - PR

Vô Rodolfo, filho do nosso bisavô Wilhelme (Guilherme) Bathke - nome de rua em Balsa Nova/PR - não se aventurou a vir morar no descampado e despovoado Campos do Mourão dos anos 30. Viu, gostou, mas retornou a Balsa Nova onde era colono e tinha sua chácara que produzia de tudo; era dono de açougue e fornecedor de lenha para a estrada de ferro Rede e Viação Paraná Santa Catarina - RVPSC. Somente em 1950 é que veio residir aqui a pedido do seu filho, o escrivão do crime e viúvo Ville Bathke. 
Vô Rodolfo adotou Campo Mourão e os netos até sua morte e descansa no Cemitério Municipal São Judas Tadeu, na derradeira morada dos Bathke. 

 
Cemitério de Campo Mourão

Túmulo do Índio Bandeira 
Segundo contava o amigo Tony Nishimura - de saudosa memória - o Índio Bandeira foi sepultado na localidade denominada Catacumba, município de Mamborê - PR e os restos mortais do famoso cacique foram traslados para São Paulo - SP, pelos seus descendentes.

Índios remanescentes
É possível encontrar índios em todas as regiões do país, mas a maior concentração ocorre nos estados do Amazonas e Mato Grosso do Sul, seguidos pelos estados da região norte e nordeste. Até a cidade de São Paulo, a maior do país, conta com uma reserva indígena, aliás, a única em perímetro urbano do mundo.
Dados do IBGE revelam que esta população é dividida em mais de 300 grupos distintos e mantem vivas 274 diferentes línguas. Toda esta diversidade cultural nativa, encontra-se em constante ameaça, exigindo da FUNAI (Fundação Nacional do Índio), órgão governamental responsável exclusivamente por cuidar da população indígena, a lidar com uma série de desafios por parte dos invasores em busca de minérios e madeiras de lei. As dificuldades para a manutenção das práticas culturais e a própria sobrevivência das populações indígenas são diversas, sobretudo no Mato Grosso do Sul, onde existe uma franca disputa territorial entre índios e fazendeiros. A violência, a dificuldade para sobreviver dos recursos da floresta e a miséria decorrente destas circunstâncias têm levado à degradação das tribos. Grupos indígenas inteiros são encontrados à beira de estradas, o vício em álcool ganha dimensões alarmantes e a taxa de suicídios entre jovens índios é causa de evidente preocupação.
Da mesma forma, em outras regiões do país, ações como o garimpo e a exploração de reservas por madeireiros ameaçam a terra demarcada e que, por direito, pertencem aos índios. 
As transformações e o crescimento econômico do país também se mostram como ameaças quando pensamos na construção de hidrelétricas em território amazônico, por exemplo mais recente a usina de Belo Monte. 
Apesar de todas estas dificuldades e do clima de tensão crescente, os índios brasileiros continuam resistindo tenazmente. Demonstram a força da ancestralidade que carregam e a sabedoria que trazem de seus antepassados. Esta potência nativa resulta do contato direto com os ensinamentos oferecidos ao longo de séculos pelos morubixabas, a Mãe Natureza e pelo Deus Tupã.

 
Antes e Hoje 
índio bicho-papão

“Minha avó, Eulália Carneiro de Campos, professora Nezinha como era carinhosamente chamada, nos contava de que maneira conheceu o Capitão e do medo que sentia dele. Temor esse causado pela fama que ele tinha de comer criancinhas igual a cuca e o bicho-papão.
Quando ela veio morar no Campo e soube da fama do Índio, escondia meu tio José Pereira Carneiro (Zé Mineiro) enquanto bebê. Ela o envolvia em muitos panos por medo que o Capitão Bandeira lhe fizesse algum mal. Quase sufocava o menino.
Depois o vovô, Manoel Luiz Pereira (Nenê Mineiro) quando soube, riu da historia dela, pois segundo ele o Capitão era de paz e queria ver Campo Mourão povoado de brancos e se tornar cidade grande.
Curiosa, sempre gostei de ficar ao pé da minha avó ouvindo as histórias de antigamente de quando ela era jovem e Campo Mourão também" - concluiu Reni.

Obs: na época as mães falavam isso aos seus filhos, para eles não saírem de casa e irem para a rua atoa. Botavam medo, proposital, nas crianças.


Imagem relacionada  
Cuca e bicho-papão

10 comentários:

  1. Quando faço leitura das histórias postadas pelo Sr, é como se estivesse "in loco", tamanha riqueza de detalhes e facilidade de transmissão. Parabéns!
    E obrigada pela postagem de uma das tantas fotos que já tirei do céu da nossa cidade. Envaidecida! ��☺️

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    1. Fico contente em saber que aprecia. Seu elogio a mim é igual um troféu, muito obrigado!

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  2. Esse meu grande e velho amigo, é de uma qualidade de narrativa sem igual.

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  3. Campo Mourão tem história, isso não pode ficar no esquecimento, parabéns wille..👏👏👏👏👏

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  4. Muito bom. Me emocionei. Nasci e cresci ai em campo dos mouroes. Amo esse cidade . inumeras recordaçoes guardo no coraçao pra quando a solidao vier eu possa recordar e novamente amar todos vcs mouroenses
    Obrigado se sinta abraçado.

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  5. Simplesmente fantástico Wille. Viajei no tempo.

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  6. Agradeço todos os comentários. Realmente não podemos deixar nossa rica e preciosa História morrer. Neste blog tento resgatar conversando e ouvindo pioneiros e seus familiares. Espero, um dia, condensar esses relatos reais, em livro e distribuir nas escolas e biblioteca da nossa amada terra: Campo Mourão.
    Receba um abraço amigo, do Wille.

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  7. Muito bem escrito! Obrigado pela riqueza de informações Wille! Forte abraço!

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  8. Parabens ,linda historia, é de encher os olhos com a riqueza dos detalhes.

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